
O diretor Rainer Werner Fassbinder que morrera em condições até hoje não definitivamente esclarecidas, provoca seu público a se atentar a circunstâncias da vida e no que nos agarramos para sair de determinados problemas. Para isso, explora a fotografia em P&B contrapondo o bem e o mal, bem como a moral que permeia esses extremos. As relações postas em cena assinalam uma narrativa sufocante, a qual o papel dominante gera desconfiança pela incerteza e objetivo do cuidado – e reflete no real interesse que um tem para com o outro. É a dúvida sombria imposta que se clareia durante a projeção e encontra um final aterrador.
Quem ler rapidamente a sinopse deverá se recordar de “Crepúsculo dos Deuses” do Billy Wilder. Ambos trazem o envelhecimento como cerne, diagnosticando a idade como um tabu para o cinema, o desinteresse que produtoras passam a ter com suas estrelas quando estas já não atendem mais os ideais e padrões propostos socialmente para o cinema e precisam ser descartados. Veronika Voss percebe o tempo influir em sua carreira e somatiza problemas que a impedem de protagonizar filmes. Há quem a respeite – ou finja respeitar – não a escalando para papéis secundários com a desculpa de que ela não pode se submeter a eles. Essa rejeição é somada a sua saúde debilitada, e permanece internada sob os cuidados da Dra. Marianne Katz (Annemarie Düringer).
Escrito por Fassbinder juntamente a Pea Fröhlich e Peter Märthesheimer, “O Desespero de Veronika Voss” é uma constante seqüência de cenas que elevam a grandeza do cinema autoral do diretor. Somos surpreendidos cena após cena e nesse arco de suspeitas e interesses, o jornalista impetuoso Robert Krohn aparece como vítima absorvendo a condição de Veronika internada devido a um vício: a morfina. Nessa clínica, idealizada assustadoramente branca, pacientes são colocados sob tratamento intensivo para vencer a dependência pela droga – e a forma de tratamento levanta outras questões que não só visa a cura, mas o mantimento.
Repleto de reviravoltas e com um desenrolar intrigante, “O Desespero de Veronika Voss” é um trabalho instigante na carreira de Fassbinder, denunciando a perversidade através do cuidado e a redoma de intenções ao seu redor. Dividindo tempo com uma afronta social, o roteiro explora no existencialismo o tempo e suas conseqüências, e revela através de um olhar austero a ambição de uma vida dedicada a arte e tomada pela recriminação. Com atuações poderosas, sobretudo de Rosel Zech, o longa é um intenso estudo sobre relações humanas e os assuntos que o permeiam no ato em que a moral e a ética decaíram. E a liberdade almejada? O rompimento dessa busca se dá na perspectiva do acalento do vício, é mais fácil ser dominado do que lidar com a falta, e assim, juntamente a alguns sensos, a protagonista desaba e o filme resplandece.
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