quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Proseando sobre... Wajma



Pode ser considerado um daqueles filmes de fazer revirar o estômago. Alguns diriam que é um soco nele. O filme não é dos mais digeríveis, pois apresenta violência explícita contra a mulher. As motivações são machistas e provém de ordem cultural e religiosa em um país onde a mulher continua subjugada ao homem em nome de crenç... em nome da ignorância. No início o filme expõe que a história a ser contada é baseada em histórias reais que acontecem em vários países. Certamente não há qualquer exagero nesse adiantamento. O longa dirigido por Barmak Akram é pesado, funciona tanto como um drama cultural quanto um filme denúncia. E é daqueles mais brutais. “Wajma” é o representante do Afeganistão no Oscar 2014. Não há qualquer garantia que chegue entre os cinco, mas seria uma feliz escolha já que tem muito a dizer.

Há muito a se dizer, mas pouco é mostrado. Não temos qualquer acesso a algumas cenas que seriam fundamentais para o filme ganhar dimensão romântica, já que deseja e carrega potencial para tal feito. A começar pela primeira metade da trama onde seguimos o relacionamento entre Wajma e Mustafa se instaurando através de flertes interesseiros e palavras impudicas. Eles riem, trocam declarações e transam – isso não vemos. Foram contra ideais dispostos no país, feriram a honra da família da mulher, mas não importa, ficarão juntos. Promessa! As promessas, por sua vez, feneceram quando ela anunciou gravidez e ele a negou, crendo que não foi com ele que ela perdeu a virgindade. Mustafa diz que não a viu sangrar. O terror toma conta do filme através de clamores desesperados por um amor negado e as consequências ríspidas as quais Wajma será submetida quando a notícia da gravidez chegar aos ouvidos do patriarca.

Os atores Wajma Bahar e Mustafa Abdulsatar que emprestam seus nomes aos personagens demonstram delicadamente o interesse inerente pelo amor, contrariando dogmas e a legislação do país para findarem o desejo. Acreditamos na relação e isso serve para nos solidarizarmos a mulher que representa milhares de outras em situação semelhante. Se o diretor não mostra claramente os atos românticos, não economiza em exprimir a violência. Entram várias discussões no meio da história, desde a possibilidade do aborto proibido no país; questões referentes a medidas legais, bem como as sanções as quais o casal deverá ser submetido; o papel da honra familiar que parece a cima da condição humana, religiosa e moral; e a possibilidade de suicídio, frente a condenação social a qual Wajma sofrerá caso tenha o filho e seja imediatamente rejeitada pela família. A morte do nome sobrepõe outras mortes.  

Com o Afeganistão exposto como um país em reconstrução após a guerra, já que comparado a outros de ordem islâmica se mostra absolutamente obsoleto em distintos níveis, o filme de Barmak Akram, que também é roteirista, explana criticamente uma realidade arcaica, assegurada por um conservadorismo regente. Direto e linear, seguimos o desenvolvimento da história sem freios, é uma imersão na cultura cujos pilares ideológicos equivocados se mantém com rachaduras. A câmera em punho acompanha as ações como um observador que não toma partido. Apenas testemunha. O direcionamento dos casos encontra um final breve e nada sutil, o que certamente decepcionará o público esperançoso em assistir outras soluções.

Nos espanta ver tal situação e perceber que não é assim tão distante de outras mulheres, não importa em qual parte do mundo. Se no Brasil mulheres são violentadas a cada minuto, em outros ocorre o mesmo, e em alguns com uma motivação que inocenta seus agressores. O filme é cru ao revelar o quanto a mulher é vítima, o diretor até evita trabalhar o romance em cena talvez por entender que ele é minúsculo frente às conseqüências posteriores as quais nenhum romance aventureiro faria valer a pena. E pensar que a personagem que acompanhamos buscando fazer diferente, ser diferente, acabara de ingressar numa faculdade de direito após resistência familiar. Entendemos que direito é tudo que ela(s) não têm. 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Proseando sobre... Las Horas Muertas


O tempo em Las horas muertas (idem, 2013), filme do mexicano Aarón Fernández, é o que condensa a narrativa através de seus poucos personagens e do contexto silencioso tal como a obra que é destituída de trilha. Assistimos o pequeno motel Palma Real à beira da estrada, onde as pessoas vão atrás de tempo, de espaço, de fuga e prazer. Assistimos ocasionais chegadas e partidas. Os vínculos são raros, especialmente para o menino Sebastian que, prestes a atingir a idade adulta, está vivenciando um ofício deixado por seu tio, que precisou se afastar do motel e precisava de alguém de confiança para tomar conta durante sua longa ausência. Questões inevitáveis vêm despertar a curiosidade do jovem, seja na ação das pessoas que quase diariamente por ali passam ou na amizade desenvolvida com uma mulher mais velha, igualmente frustrada diante sua condição numa pequena cidade litorânea que a aprisiona, consumindo-a intimamente. Esse é o ganhador do prêmio de melhor contribuição artística na Tokio International Film Festival.

Tudo que nos é apresentado é enxuto, no entanto temos convicção de suas finalidades e representações, já que o filme não enrola e mantém um mesmo ritmo ao longo de seus 100 minutos. As horas mortas sugerida pelo título são expressas pela inanimada figuração de seus personagens, todos obrigados a se ater a uma rotina e segui-la sem surpresas. As novidades ficam por conta dos rostos diferentes daqueles que chegam ao Motel, muito embora eles se repitam. As circunstâncias são as mesmas e nada empolga Sebastian, que se vê sozinho sem opções do que fazer, a não ser disputar cocos com um vizinho mais jovem ou ouvir por trás das portas os hóspedes. Há ainda alguns outros personagens que corroboram essa ideia da demora do tempo, como uma ajudante que lava os lençois voluntariamente como desculpa para encontrar o namorado nas dependências do motel a fim de transas furtivas; ou o idoso que cuida do período noturno, unido unicamente a um cão, esperando as horas passarem com a paciência que a vida no local lhe amestrou.

A perspectiva de mudança chocada com o realismo da sucessão de acontecimentos confere naturalidade tocante a narrativa. Aarón Fernández dirige o filme com prudência. Em suas mãos dois atores burocráticos conseguem demonstrar a ociosidade necessária as quais seus personagens (sobre)vivem. Kristyan Ferrer encarnando Sebastian e Adriana Paz com sua Miranda, mulher que precisa vender casas em um condomínio na praia, mas que vem encontrando duras dificuldades pela rejeição ao local. Soma-se a sua estadia malograda um romance adúltero com um homem que sempre a deixa esperando no Motel. Suas horas vazias encontra as de Sebastian e uma amizade com um curioso encantamento se difunde, estreitando laços. 

O litoral de Veracruz imprime alguma beleza a obra de Aarón Fernández, com o mar de fundo e os coqueiros em volta. O sol não banha o filme como se supunha e a película ganha traços de estranha frieza reprimindo o ambiente caloroso. Os romances que por ali passam são passageiros. O tempo morto acede à harmonia suspensa. No início do filme, um personagem diz que o local precisa de algumas mudanças, embora a rotina fosse importante e não poderia ser alterada. Algumas árvores mortas precisavam ser retiradas. Após a vivência por ali, Sebastian, frente a existência desfalecida cujas pulsões de vida foram sabotadas pelo encadeamento espacial e temporal, busca uma revitalização com pequenas reformas. Simbolicamente ele coloca uma tampinha sobre um besouro e logo o fita, observando a dificuldade do inseto em carregar o objeto, semelhante a sua situação no Palma Real, arrastada e infeliz. Suas tentativas de mudança no espaço físico do motel vislumbram uma alteração sensorial e emocional. A solidão e a percepção de distanciamento, todavia, conserva-se. 


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Proseando sobre... Gravidade



Com um início avassalador, “Gravidade” inicia com um plano único. É aparente! E é vibrante, dando o indício do que provavelmente será a projeção toda centrada no espaço com o planeta Terra de fundo. Lindíssimo. 3 astronautas flutuam em volta do telescópio Hubble num clima amistoso enquanto um trabalha na manutenção. Conversas com histórias cortam o silêncio total. Momentos de intimidade rompem o mutismo no vácuo, expandem os personagens, trazendo traços humanos por parte desses solitários diante a imensidão, contemplando uma vista incrível. Igualmente incrível será a história que viverão. Um satélite explodiu e vem formando uma cadeia de destruição que chegará até eles. A morte parece iminente neste local absolutamente hostil.

A narrativa não chama tanto a atenção num princípio, mas sua simplicidade empolga devido ao maniqueísmo inexistente. As coisas acontecem por acidente. A sobrevivência fica em jogo e constatamos a luta em benefício dessa, seja com devaneios ou delírios, ponderações sobre a vida, distanciamento social, passado, fé, vivências e finitudes. Poeticamente a história se desenrola a medida que destroços definitivamente se chocam com o Hubble vitimando um astronauta e deixando outros dois a deriva, a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George Clooney). O oxigênio da Dra. está despencando rapidamente fazendo com que o tempo torne-se antagonista.

A forma com a qual os personagens são trabalhados pelo roteiro é algo a ser relevado. Há tão pouco recurso para garantir alguma profundidade que os diálogos se tornam escolhas precisas para alcançar um ponto ou outro de quem são. O estilo despojado e seguro de Kowalsky contrapõe a euforia inexperiente da Dra. Stone. Faz valer a construção de personagens por parte dos atores e o quanto uma sessão – como qualquer outra – de “Gravidade” seria duramente comprometida numa cópia dublada. O desespero em cada palavra seguida por uma respiração ofegante descontrolada que Bullock emprega tão bem garante afeiçoamento, já que tomamos algumas informações ao longo desse processo relativo a memória que ficou na Terra. E a corda que mantém sua personagem presa a Kowalsky, igualmente aquela vista perto de sua barriga num plano deslumbrante quando está dentro da nave, quase que despida, em posição fetal, simboliza o cordão umbilical que não pode ser cortado. O renascimento fica para depois, igualmente simbólico.

Em "2001 – Uma Odisséia no Espaço" a ideia do super homem nietzschiana vinha estruturar o pensamento de Kubrick. Em "Gravidade" há mais possibilidades hipotéticas. James Cameron disse que esse é o melhor filme ambientado no espaço já realizado. Um exagero para alguns, considerando obras primas como o já mencionado "2001", além de "Solaris" do Tarkovski e "Alien, O Oitavo Passageiro" do Ridley Scott.

Além de toda a propriedade técnica, poética e estética, o longa de Alfonso Cuarón, diretor de belos filmes como “E Sua Mãe Também” e “Filhos da Esperança”, busca realçar a humanidade em sua rudimentar narrativa. O roteiro é assinado pelo diretor. Todas as escolhas e decisões foram suas. A condução dos atores aos efeitos pontuais sem qualquer pressa para acontecerem contribuem para que o filme torne-se sensorial. Os vários movimentos de câmeras que, diante as condições do contexto, puderam ser utilizados sem compromisso foram fundamentais para a experiência que “Gravidade” proporciona ao final. Esse sim possui relevância em sua tridimensionalidade.

Há uma cena digna de entrar entre as melhores já concebidas pelo cinema: a destruição de uma estação espacial. A assistimos atentos ao silêncio. Com o som da explosão ausente e a quase total falta de percepção de um de seus personagens causa uma tensão angustiante no espectador que vislumbra a beleza do ato ciente da magnitude descomunal. A cena perdura por poucos minutos. Cena após cena o filme nos brinda com uma estética aguçada. O cuidado da produção em recriar o espaço respeitando a física é de sensibilidade tocante, já que o clima vagaroso – tal como manda obras similares – consegue nos passar a sensação do que os astronautas estão vivenciando. E mais, planos subjetivos e objetivos intercalando nos coloca dentro e fora da roupa do astronauta, somos observadores e fazemos parte do plano com a inexistência de paredes cinematográficas. Assistimos exatamente o que assistem. Sentimos o que sentem. E o cinema mais uma vez nos surpreende.



quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Proseando sobre... O Amante da Rainha

Ambientado no Século XVIII, época em que vários países europeus vinham se desenvolvendo graças às propostas do iluminismo, a Dinamarca ia ficando pra trás devido à forte influência do conservadorismo do Estado e da igreja que ainda tomava as rédeas do país. Obsoleto, o regime foi caindo, sustentado unicamente por alguns nobres que tinham interesses por trás do modelo e que se colocavam a frente do comando do rei Christian XVII (Mikkel Boe Følsgaard, excelente). Este convivia com instabilidade de humor e era facilmente driblado politicamente por todos os líderes do conselho a sua volta. Prometido para Caroline Mathilde da Grã-Bretanha (Alicia Vikander), logo se casou e teve um primeiro herdeiro. A relação de ambos foi ligeiramente definhando graças ao afastamento do monarca, que não conseguia ter ereção com a mulher. O filme vem tratar desse episódio e, principalmente, ilustrar o adultério cometido nas costas do chamado rei louco: o caso romântico entre Caroline e um médico idealista, doutor Johann Struensee (Mads Mikkelsen), favorável aos preceitos iluministas vigentes.

Após uma longa viagem anunciada pela Europa, Christian XVII se percebeu com a saúde cada vez mais comprometida. Sua oscilação emocional rendia protestos e o povo temia pelo futuro obscuro que surgia a frente, assentindo a miséria da nação. Aconselhado, o rei passou a ser acompanhado de perto por um médico, Struensee, um homem que trabalha de uma forma pouco convencional, o que o beneficia, já que seu jeito conquistou rapidamente a simpatia do monarca que passou a considerá-lo um amigo próximo. Tal relação íntima ainda lhe rendeu um importante cargo. Daí o país sentiu uma notável mudança, assistida pelo conselho que ia contra as novas idéias, já que estavam fora da posição de conforto, e não demoraram pra tramar um plano a fim de derrubá-las.

O avanço do iluminismo, cujo potencial poderia se revelar como cerne do longa, é deixado de lado em prol do triângulo amoroso. É justificável, embora se arraste por mais de duas horas. Talvez o filme tenha perdido um pouco da força que teria caso trabalhasse melhor este movimento, já que exploraria um universo pouco visitado, tão interessante, sintetizando o período em que a Dinamarca saiu do limbo por conta das novas idéias que priorizavam a vontade do povo e a liberdade individual. Obviamente, o interesse é tratar do caso extraconjugal e como este se sucedeu. A narrativa inocenta a infidelidade pela naturalidade dos envolvidos que se amam sem culpa.

Poucos questionarão a atitude do médico e da rainha que comungam juntamente a reforma da sociedade, apoiados por intelectuais – Rousseau e Voltaire, por exemplo – e políticos visionários. O comportamento do rei frente à esposa favorece nossa solidariedade com a rainha e seu amante. Uma das cenas iniciais a qual Caroline Mathilde toca piano e é subitamente repreendida pelo marido é de inevitável pesar. Ela – e ninguém – pode apagar a luz de Christian XVII, como o próprio sentencia. O romance tem créditos, é roteirizado de maneira cuidadosa, focado em detalhes realistas bem filmados. Jamais se entrega a reviravoltas mirabolantes, talvez por estar engessado a um caso verídico de reconhecimento histórico.

Sobre a direção de Nikolaj Arcel, o cara que escreveu a adaptação Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Män som hatar Kvinnor, 2009), o filme se desenvolve com sutilezas, abrigado por uma produção cautelosa, chamando a atenção para o figurino e a fotografia escurecida, vista em enquadramentos próximos do rosto de seus atores centrais. A fotografia dá sensação de opressão, impressão compartilhada com o povo nas ruas daquela nação. Ainda somos agraciados pela reconstituição do Século XVIII, uma bela Compenhague entregue à miséria em ruas divididas por pessoas e lixo. O mal cheiro por falta de saneamento básico exala na capital, tal como acontecia na idade média. O glamour social desfalece. O elenco é bom, encabeçado pela bela sueca Alicia Vikander; o dinamarquês Mads Mikkelsen, relativamente famoso por viver o vilão Le Chiffre em 007 - Cassino Royale (Casino Royale, 2006); e Mikkel Boe Følsgaard, que caracteriza muito bem o rei sem estereotipá-lo, dando uma carga dramática adequada à insanidade explícita em suas ações induzidas. Ele faturou o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim.

Dentro de sua beleza clássica e do estilo querido por muitos e odiado por outros, O Amante da Rainha (En kongelig affære, 2012) finaliza como uma lição progressista num tempo de difíceis mudanças. Ele faz coro com muitos países curvados a poderes ideológicos precários que precisam de uma revitalização, de qualquer mudança que satisfaça a necessidade da população e seus direitos. A Dinamarca deve muito a um alemão, Struensee, e a sua gana por mudança. No filme ele é tratado como um mártir, vivendo sem pudor com sua ambição sonhadora até seus últimos dias. Também explicita-se sua paixão incontida por alguém que, como ele, foi essencial.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Proseando sobre... Rush - No Limite da Emoção



Faz tempo que você não sai empolgado do cinema? Pois bem, “Rush - No limite da Emoção” é um dos raros exemplares recentes capazes de proporcionar isso. Os anos de glória do britânico James Hunt e do austríaco Niki Lauda foram transportados para a telona com astúcia e singularidade cativante, não sendo somente um filme de esporte que visa a superação dos envolvidos, nada disso, e tampouco nos impressionar com artimanhas formidáveis quase heróicas. A idéia é atestar dois personagens, dois dos mais notáveis pilotos de fórmula 1 e registrar a rivalidade entre a dupla. O quão fiel a obra é comparada aos fatos originais não importa tanto, o que o diretor Ron Howard conseguiu mostrar é que faz tudo valer a pena. Não é documentário, é cinema. É entretenimento dos mais satisfatórios. 

Ágil tal como o que exibe, o roteiro de Peter Morgan do ótimo Frost/Nixon (Frost/Nixon, 2008) – outro duelo dirigido por Roward – não é esquemático, não pende para o melodrama – o que chama a atenção, já que alguns fatos direcionam a tal vício – e jamais escolhe um lado, dispensando maniqueísmos. Há até um risco relevante a ser tratado: a possibilidade de não gostarmos de nenhum dos personagens. Ambos irritam com suas características, um é irresponsável, arrogante e imoral; o outro é egocentrista, narcisista e indiferente. Ambos no entanto são referências, gênios distintos em competição, cada qual com sua habilidade que se choca tanto nos bastidores quanto nas pistas. E em alta velocidade.

Os anos 70 de fundo e todas suas representações sociais dão cobertura a rivalidade estridente de Lauda e Hunt. Homens que nasceram para a corrida. Lauda considera-se assim ao assumir que envolver-se com carros é o que melhor sabe fazer. A trama se lança nas corridas sem torná-las mais importantes que seus protagonistas. Elas estão por circunstancia e aparecem sempre pontualmente favorecendo a narrativa, dando mais graça e tensão aos conflitos exteriores do asfalto. É ótimo acompanhar o que Roward concebe quando filma – e recria – os cenários das corridas setentistas, provavelmente comovendo os fieis fãs de Fórmula 1 e traçando um paralelo considerável com as corridas de hoje, evidenciando a importância dos pilotos também por trás da tecnologia automobilística.  

Daniel Brühl, ator espanhol que encarna Lauda, mencionou em entrevista o quão difícil seria viver um personagem vivo, já que comparações seriam inevitáveis. Ele entrega um desempenho seguro, diria até que formidável, empregando uma antipatia insinuante sobre um personagem defensivo e lucidamente consciente. Já Chris Hemsworth abraça convincentemente James Hunt, chamando a atenção pela aparência física, e doando a ele o que a mídia tanto destacou: sua energia vital, desregrada, paixão pela diversão e ambição voraz em superar Lauda. Em cena ambos impressionam com vantagem a Daniel, bom ator, vivendo e vencendo um de seus maiores desafios da carreira. 

O início: circuito de Nürburgring na Alemanha em 1976. Um dia crucial! Antes de nos familiarizarmos com o ocorrido, o roteiro retorna alguns anos e apresenta jovens promissores pilotos na fórmula 3 desejando conquistar um espaço entre os melhores. Segue-se sonhos, ambições, soberba e concorrência, segue-se em ritmo virtuoso uma história de paixão pelo esporte, de amor por conquistas frente a possibilidade real da morte, algo com potencial de fazer o homem sentir-se mais vivo. Hunt dispara isso. E não é mentira. Bem filmado e ambientado, a direção artística entrosada com a fotografia salienta os anos 70 e a impressão de assistirmos um filme da época revolucionado. Planos detalhe marcantes e trilha pulsante faz da nova obra do sempre competente Ron Howard um eficaz entretenimento. Não é uma obra prima como muitos gostariam, mas é um grande filme recheado de garra e emoção.