quinta-feira, 31 de maio de 2012

Proseando sobre... Drive


“Drive” tem a seu favor a possibilidade de agradar distintos públicos, é eficiente em abordar elementos mais sérios, servindo como estudo de personagens, centrando num autêntico homem sem nome que encheria de orgulho Clint Eastwood. Sua habilidade não está nas armas, mas no volante, na velocidade, na fuga. Tem um código de ética, o segue com rigor. Somos apresentados a esse no ótimo prólogo, na abertura antecedendo os créditos em que, rapidamente, nos insere no universo hostil do protagonista, dirigindo para bandidos, seguindo restritamente normas, sem colocar a mão no fogo por ninguém. Para enfeitar a historia, modelos tradicionais de filmes do gênero dos anos 80 com muito sangue e violência.

O que o longa apresenta é uma história de amor longe das convencionais. Ela é quase hipotética, uma menção nas entrelinhas promovida por Irene (a sempre espetacular Carey Mulligan) e o motorista sem nome (Ryan Gosling). Ela ainda tem um filho e é casada – seu marido voltou recentemente da prisão. Juntam-se os 4 numa mesa e o relacionamento entre ambos que num primeiro instante imaginaríamos como passível de intrigas converte-se em altruísmo recíproco, cujos motivos são discutíveis. 

Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, “Drive” é um exercício de estilo, articulado, cheio de referências e com visíveis aspirações oitentistas, seja nas inspirações fílmicas quanto nas músicas, um atributo que a princípio nos deixa curioso para logo se estabelecer e embelezar sonoramente. A saliência das cenas bem econômicas contribuem com as intenções, não há cenas descartáveis, não há o que poderia ter ficado fora da edição final, há o bastante e o essencial para a obra ser grande. Simples e indispensável. Ainda conta com uma fotografia límpida, mostrando a exuberante Los Angeles noturna. É  para se apreciar visualmente juntamente a tantas outras coisas. Outro exemplo de esplendor visual é a luz ofuscada na cena do elevador, intencional, com objetivo estético expondo um beijo.

Famoso pela trilogia “Pusher”, Refn coordena bem cenas de ação. Ele parece buscar se adequar ao real a todo instante, priorizando a observação de sua estrela, analisando as possibilidades com o carro parado para depois dar a devida injeção de adrenalina. O absurdo é descartado. Isso apenas revela a necessidade de grandes produções em se auto afirmarem enquanto grandes filmes de ação para mascarar o tradicional vazio que a permeia. É possível ir além de uma perseguição com explosões fetichistas, priorizando a complexidade dos personagens. Desta forma, a magnitude do protagonista, vivido seriamente e laconicamente por Gosling, é constatada em detalhes. O ator vem em grande ascensão e cria aqui um icônico e silencioso personagem. Ao seu lado, a doce e carismática Carey Mulligan dá a fragilidade e insegurança necessária a uma mãe de família tendo que se virar num fast-food. 

Os bons diálogos propostos pelo roteiro viabilizam a compreensão dos fundamentos da trama, robustecendo as personalidades de seus bons personagens. Nesse meio Ron Perlman, Albert Brooks, Christina Hendricks e Bryan Cranston são talentos bem explorados, estando esse último a assumir uma função paternal zelosa. Ninguém está jogado ao léu, não há desperdícios ou excessos de recursos durante a narrativa. O exagero se dá na violência, tudo proposital, como interlocução às obras análogas. Uma cena em especial fará o espectador recordar “Irreversível” de Gaspar Noé. Enfim, “Drive” conta a história de um homem sozinho, de fragilidades humanas e de relações com o mundo. Não é de muitos diálogos, é quase um exercício de observação, de contemplação. Seu seguimento é óbvio e bem caracterizado, uma espécie de homenagem intrínseca ao passado originado de filmes B. Ganhará fama Cult pelo que é e consolidará Ryan Gosling como um dos melhores atores em atividade, tornando-se neste um mito das ruas escuras com sua jaqueta ensangüentada levando nas costas uma imagem de um escorpião. 


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Proseando sobre... MIB³ - Homens de Preto 3



O clima de novidade que MIB despertou em 1997 graças a inventividade do roteiro contribuiu para que uma franquia de sucesso pudesse se instituir. 5 anos depois veio uma sequência ordinária, completamente inferior ao original. Após tanto tempo, eis que chega a esperada terceira parte, trazendo os mesmos protagonistas com um acréscimo. Tudo foi conduzido pelo diretor dos dois primeiros filmes, Barry Sonnenfeld. Se esse “MIB³ - Homens de Preto 3” não carrega o ar de novo, ao menos desponta como revitalização, um retorno ao que se fez fechando de maneira satisfatória uma trilogia que custou a acontecer.

Coexistindo as escondidas na terra junto aos humanos, os alienígenas continuam dando trabalho aos agentes J (Will Smith) e K (Tommy Lee Jones), este último, próximo da aposentadoria. De imediato, piadas envolvendo a dupla permite uma sensação de nostalgia, um acesso rápido a essa relação tão conturbada quanto divertida. No entanto, a presença de Lee Jones dura pouco, uma vez que um poderoso alienígena, Boris, O Animal (Jermaine Clement, ótimo em cena), voltou para um acerto de contas com K e utilizará de viagem no tempo – irá precisamente até 1969 – para reverter o passado apagando completamente a existência do sisudo agente.

A premissa perpassa sobre esse universo temporal, algo que leva as melhores piadas do longa quando notamos as distintas tecnologias de época, com objetos maiores e pesados comparados aos minúsculos e portáteis de hoje em dia. Ainda soma-se a essa distinção a retratação da direção artística que concebe um passado mais colorido, quadrado, mas não menos interessante. Também não faltam referências a famosas personalidades suspeitando se tratar de aliens – Lady Gaga, Tim Burton, Mick Jagger são alguns –, investida alegórica relembrando graças presentes nos filmes anteriores. Uma cena envolvendo o cineasta e pintor Andy Warhol (vivido por Bill Hader) é inspiradíssima. Não se esquece o passado aqui, aliás, ele é importantíssimo, dialogando com a obra de 97 como a de 2002, ligando a pontas que não tiveram explicação. 

O roteiro fecha um ciclo através de 3 bons atos, depositando no terceiro uma comoção ainda não experienciada pela franquia. A realização remonta o que anteriormente não era claro, buscando até mesmo constatar os motivos para que K se tornasse uma figura tão amarga. Para isso, um verdadeiro mergulho no passado. J tem que saltar no tempo, literalmente, e parar no final da década de 60 para contornar situações. O astro Will Smith tem a história para si, se mantém em frente a câmera em quase todo o filme com carisma e caretas, algo que em certo ponto incomoda pelas repetições. Este não é um dos seus melhores momentos na telona. 

Contrastando esse poço de humor, a figura unidimensional de Tommy Lee Jones balanceava tanta comicidade através de sua seriedade imponente e respeitosa, algo que dura algum tempo neste “MIB³” para logo ganhar a forma de um outro ator vivendo K com 29 anos, Josh Brolin. Este o faz com notável eficiência. Carrancudo, porém mais cortês, o agente K sessentista gozava da juventude dando-se ao luxo até de flertar com a colega de trabalho, a agente O (Alice Eve, enquanto jovem). Essa, no presente, vivida por Emma Thompson, evidencia um amor não acontecido, justificando o quanto o envelhecimento de K fora frustrado com relação ao desejo e pelas novas condições sujeitadas ao fim de sua defesa na terra em 69.  

O ano reproduzido reconta história, modelando o contexto adequando à narrativa. Têm-se a depreciação dos negros, mencionada num ato, tempos depois da morte de Martin Luther King, como também a chegada do homem a lua. Tais ações marcantes da história humana contribuem para a lógica da obra de Sonnenfeld. A cena de abertura é ótima e surpreendente, com vínculos diretos ao pretérito. Jermaine Clement faz um ótimo vilão e rouba cenas, a maquiagem lhe dá credibilidade assustadora lhe conferindo perigo. Outro que ganha o espectador é Michael Stuhlbarg que encarna o alienígena Griffin com sutileza, podendo prever o porvir. 

Sem novidades, mas com empatia suficiente para agradar o espectador, “MIB³” termina competente e lisonjeiro, sobretudo para seus fãs. É garantia de boas risadas e um complemento interessante ao que faltou nos anteriores em termos de roteiro, deixando uma sensação de dever cumprido com bom ritmo, carisma e alienígenas ainda mais grotescos. 


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Proseando sobre... Os 3

Nando Olival trouxe ao Festival de Paulínia de 2011 um triângulo amoroso entre jovens. O filme estreou nos cinemas há algum tempo e há pouco chegou nas locadoras. Certamente não é um dos melhores filmes nacionais que surgiram nos últimos anos, no entanto, é um dos mais interessantes e originais.

Uma festa, bebedeiras, um inusitado encontro entre um trio e na manhã seguinte, nos dias seguintes, nos meses seguintes, não mais se desgrudaram. Parece comum, e de fato é, porém o desenrolar das situações é dos mais engenhosos.

Camila (Juliana Schalch), Rafael (Victor Mendes) e Cazé (Gabriel Godoy) se cruzaram na porta de um banheiro durante uma festa de república. Uma rápida conversa e uma imediata afinidade. A noite é do triângulo que se diverte pelas ruas de São Paulo. Os diálogos propostos pelo roteiro do diretor, escrito em parceria com Thiago Dottori, são afinados, joviais e engraçados. O tempo os juntou tornando-os próximos. Há poucas intrigas, discussões comuns originadas pela tolerância da convivência, mas há ternura nessa trinca, o que, em suma, fortalece progressivamente a relação.

Dispensando grandes aspectos técnicos, como alguns longas nacionais andam investindo, como o recente e ótimo 2 Coelhos (2011), este filme se concentra na interação, no bom texto e na encenação – essa ultima importantíssima na narração. O trio está na faculdade e elaboram juntos um projeto publicitário: este refere-se a um site filmando uma casa com as pessoas utilizando os mais variados produtos, que podem ser adquiridos pelos espectadores que acompanham a intimidade alheia ao vivo pela internet.

Um sucesso entre os alunos e um potencial investimento para empresas que cogitam comprar novas ideias. Aí chega a proposta: usar o projeto com o trio que o desenvolveu, pagando-os para continuarem vivendo juntos e vistos pelo Brasil inteiro vendendo marcas. A resistência evidentemente existe e é debatida. A oferta financeira motiva, levando-os a vender sua intimidade e, conseqüentemente, suas vidas. Visto com ressalvas, logo se acostumam a serem vigiados. É um reality show cujo interesse não são seus participantes.

A proposta remete a uma idéia bastante discutida no cinema. O que é real? Até onde o mimetismo influi? Qual a veracidade daquele trato em frente às câmeras? Questões que permeiam a narrativa explorando o valor do ser humano enquanto produto, perdendo seu caráter e privacidade. Tudo vai ainda mais longe quando esta condição interfere na dinâmica da casa e conseqüentemente cria intrigas entre os três, rendendo uma confusão de significados.

Levantando hipóteses das preferências sexuais de seus personagens, lançando em alguns atos seus interesses através de discursos da história de vida, o filme se segura na seriedade do tema, sem banalizações ou contestações de suas escolhas. Olival é inteligente ao conduzir os personagens e explorar a perspectiva de realidade do projeto, diante das boas atuações que se conflitam com a atuação dentro da atuação. O carisma do trio ajuda, mas quem se destaca em cena é Juliana Schalch. O triângulo amoroso retratado é dinâmico, tem função para a publicidade, tem intenções de chocar, impressionar públicos e ganhar com o espetáculo. O estudo sobre, por sua vez, não vai tão longe, como um Os Sonhadores (The Dreamers, 2003) ou até Vicky Cristina Barcelona (idem, 2008), mas é bom ver os rumos criativos e variados de nosso cinema.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Proseando sobre... O Corvo


Um dos caras que mais inspiraram filmes adaptados a partir de contos – entre eles "A Queda da Casa de Usher" de 1928 que teve refilmagem estrelada por Vincent Price em 1960 e “O Gato Preto” de 1934 – ganhou um filme ficcional com traços biográficos. Edgar Allan Poe vem solucionar crimes, esses cometidos por um potencial fã, uma vez estar fazendo vítimas de acordo com as histórias do escritor. Com arma e punho e até mesmo montando a cavalo em perseguição, seu famoso personagem C. Auguste Dupin é o alter ego desta concepção cinematográfica – Poe ganha faceta de herói ao lado do Detetive Fields (Luke Evans). Um frágil suspense policial banhado por literatura e história vem angariar alguns fãs e recordar o Séc. XIX.

O romancista e poeta Edgar Allan Poe teve uma vida perturbada relacionada a perdas de entes e ao alcoolismo. Frutos para suas motivações mórbidas, inseridas frequentemente em seus contos sombrios, esses atributos de vida do seu “eu” eram inspiradores e imputavam um tom melancólico, presente na encenação de John Cusack que não oferece, em qualquer hipótese, uma grande atuação, mas é ao menos empenhada. Pensa-se como justificativa a adequação do atual contexto. Temos vários exemplos disso. Citando um recente, a mutação de “Sherlock Holmes” na telona, perdendo características em favor da necessidade de atrair um outro público que não o leitor. Afinal, quantos são os espectadores de “O Corvo” que conhecem a vida de Allan Poe? Alguns nem mesmo ouviram falar de qualquer uma de suas obras.

Essa ficção baseada em um dos seus mais célebres contos, “Os Assassinatos da Rua Morgue”, é dirigida por James McTeigue do ótimo “V de Vingança”. Apostando numa atmosfera gótica pela necessidade de chamar a atenção para a estética quando a narrativa não tem grande vigor, McTeigue traça um rumo captando elementos de várias obras do protagonista, como “O Barril de Amontillado” ou “A Máscara da Morte Rubra”, entre outros citados. Não há qualquer força ou finalidade justificável por ações, com personagens soltos cuja importância nula não corresponde nem para nossa gana em desvendar o mistério sugerido ou especular o assassino que vem causando terror em Baltimore. 

Expectativas para que o público busque conhecer Edgar Allan Poe após conferir tal obra desaba ao final. A ficção toma conta, embora se apóie a eventos reais, como os dias finais da vida do romancista, andando à deriva pelos parques e ruas frias da cidade. Especulações por especulações, por mais raso que pareça, é uma adaptação, uma concepção de um longa de investigação dotado de influência literária. É uma desculpa para criar um outro serial killer baseando-se em alguma coisa que ainda não tenha sido feita. Quem sofre com tal proposta é sua estrela, o saudoso escritor. Nesse ritmo, insinuando o absurdo, até Kafka poderia ganhar um filme contando sobre sua dura relação com o pai numa Praga oprimida pelo governo, enquanto converte-se num inseto e vire atração jejuando. 

Concebido por diálogos rebuscados, especialmente veiculados ao seu genial protagonista, “O Corvo” se torna um suspense de jornal com cenas ao melhor estilo “Jogos Mortais”. Não é uma obra que em mãos, por exemplo, de David Fincher, terminaria tão morna e esquemática. Falta ousadia. Há ainda um romance ficcional motivando a trama: a seqüestrada (Alice Eve) que Edgar Allan Poe tem que encontrar é justamente quem este ama, é aquela pela qual faria qualquer coisa. Vale como estudo de uma época, uma menção a respeito do despontamento de dois grandes nomes da literatura mundial, o próprio Poe e o francês Júlio Verne, este lembrado durante a narrativa. Moldado para ser um herói, o protagonista que ganha a face de John Cusack com cavanhaque (dispensando o bigode tradicional do original), Allan Poe é celebrado de uma maneira minúscula diante sua magnânima importância.



quarta-feira, 16 de maio de 2012

Proseando sobre... Battleship - A Batalha dos Mares

Imagino os responsáveis numa sala discutindo qual seria a desculpa para adaptarem o jogo Batalha Naval para um longa de grande repercussão. Várias idéias absurdas devem ter sido cogitadas, entre elas a selecionada. Não se pode culpá-los: a proposta é difícil; um desafio. A decidida, por sua vez, aparece num ato em que, sem radares, os tripulantes de um navio ouvem atentamente as coordenadas do Capitão Yugi Nagata (Tadanobu Asano), por causa de sua habilidade em localizar coisas sem radares: daí um imenso tabuleiro surge em sua frente e tem início a batalha naval, ignorando completamente algumas noções como, por exemplo, a desculpa dos alienígenas não conseguirem rastreá-los. Soma-se a isso a explicação estapafúrdia sobre como um dos personagens diagnosticou o que é nocivo aos alienígenas graças a uma experiência com um réptil. São pequenas coisas que passam batido, mas convenhamos que, no geral, Battleship - A Batalha dos Mares (Battleship, 2012) traz demasiada subestimação à inteligência do espectador.

A narrativa não procura maiores explicações sobre o ataque, ela dá a razão e entendemos. Isso parece bastar. Tudo surgiu da mera desculpa da adaptação e traduziu-se o jogo ao modelo mais convencional possível. Têm-se a garota bonita que aflora os hormônios masculinos vivida por Brooklyn Decker, e seu pai, o Almirante Shane (Liam Neeson), carrancudo e imponente, pouco acrescentando a trama, a não ser por fazer vista grossa para os pretendentes da moça. Há também o modelo perfeito de honra e hombridade, o irmão do protagonista, interpretado pelo sueco Alexander Skarsgård (o vampiro Eric de True Blood).  Outra que merece menção é a dona dos diálogos mais imemoráveis, a personagem de Rihanna, esta que estreia nas telonas com sua durona Cora Raikes. O entretenimento barato é cumprido e nada mais é feito.
 
O cartão de visita da obra segue o que o cinema popular demanda: ação e humor. É a formula para apresentar o protagonista, o rebelde típico gênio indomável Alex Hopper (Taylor Kitsch, que interpretou recentemente o aventureiro John Carter), e que deve ganhar a afeição do público. A cena em que o conhecemos é mesmo cômica, mas o filme inteiro procura alívio no humor o tempo todo, basicamente como uma versão marítima de Transformers, dado que também trabalha com vilões extraterrestres dotando de um arsenal rico e naves colossais.

O roteiro ficou a cargo dos irmãos Erich Hoeber e Jon Hoeber, que escreveram Terror na Antártida (Whiteout, 2009) e Red - Aposentados e Perigosos (Red, 2010). A preocupação destes é direcionar as cenas a combates, sem desperdiçar tempo com qualquer enrolação dramática – perdas são sentidas em ligeiros suspiros –, utilizando de frases de efeito e gestos de heroísmo, bem como redenção e compaixão. Não são poucos os momentos em que breves palavras motivam os combates no meio do Oceano Pacífico, entre elas, o “não hoje” martela na cabeça do público crente quanto à competência de seus protagonistas em defesa do mundo pelas mãos, dessa vez, de americanos e japoneses. Pearl Harbor vêm a memória.

Com a humanidade em perigo pela enésima vez, Hollywood celebra mais um ataque e quem dirige o show caótico aqui é Peter Berg, que tem em mãos uma produção magnânima. Os efeitos especiais são irrepreensíveis, com destruições e explosões convincentes e desmedidas, o que hoje não surpreende mais devido às incontáveis estreias que utilizam desse atributo no circuito. O som é significativo na produção, é possível ouvir as ondas chocando-se aos navios durante a guerra. Juntamente a esses aspectos técnicos, o que há de melhor em Battleship é a a trilha sonora. O filme todo é embalado por bandas como Stone Temple Pilots, Creedence e AC/DC, o que potencializa algumas cenas.  

Barulhento e longo, longo demais para tratar tão pouco, Battleship é mais um expoente da ficção recente que nada diz. Presume-se sucesso de bilheteria e exaltação pela ousadia de sua adaptação. Hollywood tenta de tudo, e os alienígenas, ao que parece, continuarão sendo os nossos melhores vilões e ainda incapazes de nos enfrentar. Otimismo estadunidense? Enganar-se é um talento do ser humano. E com esse talento produções assim são lançadas para o espectador ver, não pensar e ir embora satisfeito.  


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Proseando sobre... American Pie: O Reencontro


Robustecido pela nostalgia, “American Pie: O Reencontro” é uma feliz continuação acontecida muitos anos depois, mostrando aquele grupo de personagens que marcaram espectadores no final dos anos 90 em suas atuais condições: constituição de família, luta para serem bem sucedidos nas carreiras, os casos amorosos frustrados que se perderam através dos anos, e principalmente, o quanto amadureceram... ou não.

A essência descompromissada de um legítimo besteirool – “American Pie” pode ser considerado o pai do gênero – persiste com ressalvas sutis nessa continuação, a autêntica quarta parte. Lembrem-se que após o terceiro longa, o casamento, saíram supostas sequências centradas em peitos e bundas, ignorando todos os personagens originais, mantendo, somente, o Sr. Levenstein, o pai do Jim, vivido pelo icônico Eugene Levy. Agora os tempos são outros e todos retornam, seja em curtas cenas, ou tendo papel fundamental na trama que, bem roteirizada no sentido de dar valor a cada um dos 5 protagonistas, destina com cuidado os futuros. 

A direção é da dupla Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg, os caras por trás de “Madrugada muito louca”. Eles exprimem o que há de melhor nos personagens, fundamentando um final para cada um, embora, por força maior da própria produção, seja instigado uma menção por mais alguma continuação. Algo que, a princípio, parece interessante, mesmo correndo o risco de destruir a conquista desse reencontro: celebrar o futuro daqueles que se tornaram queridos por alguns públicos. 

Condizente a expectativa reinada por anos desde o terceiro lançado em 2003, o filme é trabalhado com vivacidade e muito bom humor, dominado, evidentemente, pelo escracho sem severas apelações. Nudez, palavrões e sexo são tradições importantes e hiper funcionais, nada está deslocado na narrativa e tudo é suficientemente importante para ela. Jim (Jason Biggs), Kevin (Thomas Ian Nicholas), Oz (Chris Klein), Finch (Eddie Kaye Thomas) e Stifler (Seann William Scott) tem, cada um, bom tempo em cena para revelar suas angústias com o envelhecimento, expostos as novas condições, obrigados a se adaptarem. 

Lidar com o diferente e constatar a atual geração cada vez mais precoce são coisas que o filme se permite, inteligentemente, diga-se de passagem, salientar. Quem acompanhou os primeiros filmes notará o contraste. Os homossexuais declarados, as gírias, a tecnologia em tudo, não havia nem celular – uma boa cena brinca com isso. Quanto às atuais circunstâncias, seguiremos seus personagens, alguns separados de seus antigos amores, como Oz e Heather (Mena Suvari), ou Kevin e Vicky (Tara Reid), resultado de opções pela carreira. Jim que era babá da pequena Kara, a vê crescida (Ali Cobrin), completando 18 anos em plena exuberância física. Finch, que posava como o intelectual do grupo, encobre seu progresso fracassado. Já Stifler, vive a frustração de não saber o que quer, assistindo os teens agirem como ele no passado de uma maneira ainda mais cretina.   

Podem julgar o filme banal, os moralistas certamente o farão. Esse é um trabalho para fãs, o registro de uma fase com seus prós e contras, e do quanto crescer custa. Assim observamos o atual contexto e as finalidades de seus personagens por vezes emitindo suas desilusões. Ser feliz, eis uma conquista complicada, esta vai contra as expectativas de outrora, marcadas na escola quando os cinco diziam o que almejavam conseguir no futuro. Uma reflexão em torno disso permeia durante a projeção, fica no ar a todo instante e cresce à medida que vamos reconhecendo os personagens. Os filmes da franquia nunca buscaram a reflexão sobre os tabus estipulados, embora os fomentassem através de um problema atual antecipado: o vídeo de Jim compartilhado na internet. Tudo isso aconteceu antes de entrarmos neste século.

É bom ver essa conclusão tão divertida e satisfatória. As piadas tão bem atribuídas e distribuídas não são reciclagens do que uma vez fizeram, mas apropriadas aos dias atuais, carregadas com as personalidades imutáveis de seus protagonistas. De geração para geração, trata-se de uma epopéia de situações emergidas na memória daqueles que acompanharam de perto a trajetória dos formandos de 99 da fictícia East Great Falls. Divertidíssimo, esse “Reencontro”, mais do que qualquer outra coisa, nos faz testemunhar o valor da amizade e seus percalços, o tempo e seus dissabores. É uma revisitação dedicada à saudade que alguns tinham desses caras.   


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Proseando sobre... Um Homem de Sorte


Pra quem gosta de se alimentar com romances de folhetim, este é um banquete. A única novidade é constatar o galã teen Zac Efron no papel de um fuzileiro naval, algo difícil de conceber num primeiro instante. O resto nós já vimos. O famoso escritor de Best Sellers românticos, Nicholas Sparks, ganhou com este “Um Homem de Sorte” uma sexta adaptação para as telonas. Vai ganhar o coração dos seus leitores graças a fórmula usual que funciona ainda mais aqui por conta da direção de Scott Hicks, sempre paciente e dedicado aos detalhes. No mais, só de olhar o cartaz e ler a sinopse, podemos prever tudo o que virá. De fato!

Durante a guerra do Iraque, uma catástrofe, em meio a tantas outras, acontece na frente de Logan Thibault (Efron). Algum tempo depois, após voltar para a casa de parentes, percebe que a guerra não o deixou, sempre incomodado com barulhos altos, até mesmo os de games de ação. Numa manhã, ao ser acordado, assusta e se defende com violência. Daí constatamos que acompanharemos um jovem carregando os traumas da guerra num conflito familiar, porém tudo isso subitamente é ignorado para a estruturação de uma nova idéia. A guerra é um contexto, uma desculpa, quase uma encenação teatral colegial.

O interesse da trama é outro, introduzida lá no Iraque numa fotografia caída sem dono, levando apenas uma mensagem e estampando uma bela garota. Tal achado funciona como um amuleto da sorte, ao menos é o que Logan atribui, pois, imediatamente após guardar a imagem, sobreviveu a coisas que não acharia capaz de sobreviver. Igualmente a quem crê numa torrada com uma imagem divina, o fuzileiro credita a imagem toda sua fé prometendo, após ser dispensado, encontrar aquela mulher que tanto lhe rendeu sorte. O roteiro de Will Fetters trabalha sobre esse plano dando alguma personalidade aos personagens caricatos de Sparks. Mero esforço sem recompensas. 

Encarando o filme como uma concepção para um público bastante especifico, então nos deparamos com uma obra eficiente. Tudo que o espectador que aprecia filmes semelhantes procura está lá, com uns aperitivos extras, inclusive uma moralzinha recalcada. Chama a atenção algumas cenas românticas de caráter erótico surpreendente – aquela sob uma ducha é usual, porém arrebatadora diante as expectativas. É para maiores e para horrorizar os fãs de “Crepúsculo” que acharam a lua de mel de Edward e Bela ousada. 

Apesar de tudo, por melhor defesa que queiramos fazer para o filme, é frustrante perceber que tal trama ainda seja facilmente engolida. Ninguém espera que o trabalho seja uma referência genuína entre os romances atuais, no entanto, não faz mal se levar mais a sério e se condensar enquanto um drama expoente sem o melodrama grotesco. Tem até artifícios tradicionais inseridos: o antagonista irritante e uma criança oprimida. Ainda que tenha um bom diretor por trás, – é notável o esforço de Scott Hicks – este pouco pode fazer para história se converter em algo mais, digamos, crível. Afinal, não se trata elementarmente de uma fantasia absurda.  

Fugaz, mas sem grandes pretensões, esse é mais um longa passageiro, mais uma oportunidade para encher os bolsos do escritor e ganhar o coração de suas fãs. Não chega nem perto de algo como “Diário de uma Paixão” também escrito por Sparks e adaptado por Nick Cassavetes, mas embora ruim, está muito a cima de bombas como “Um amor pra recordar”, também baseado em livro. Já Zac Efron não interfere, empenha-se em manter uma expressão séria, com a barba por fazer, procurando se desvencilhar do status de galã teen que adquiriu desde seus tempos de “High School Musical”. Seu par romântico, vivido por Taylor Schilling pouco acrescenta. A cena às vezes é roubada por Blythe Danner, a avó do anjo da guarda de Logan. Dizer que o filme é um clichê é um clichê.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Proseando sobre... Paraísos Artificiais


Abordando, entre tantas coisas, o abuso de drogas, “Paraísos Artificiais” leva o espectador até um vislumbre de sentidos quando enfoca seus personagens vivenciando as mais distintas experiências em diferentes lugares através da música eletrônica, da contemplação da natureza, lampejos de filosofia libertária, alucinógenos e sexo. O diretor Marcos Prado, famoso pelo ótimo “Estamira”, não poupa detalhes e cenas, buscando a intimidade dos protagonistas, sempre muito próximo deles com a câmera, explorando detalhes de sorrisos e prazeres num infindável templo de sensações, com segredos que se revelam e sugestionam a partir das conseqüências de atos atingindo anos. 

Vale se concentrar em quem são seus personagens centrais: Érika (Nathalia Dill), uma jovem que sonha tornar-se uma renomada DJ e despontar nas pistas; Nando (Luca Bianchi) é um artista talentoso sem empolgação; e Lara (Lívia de Bueno) amante de Érika, hiperbólica, disposta a qualquer coisa. O trio se une eventualmente numa rave e as trajetórias se mesclam através de uma narração ilógica, compondo uma história banhada por amores e tragédias. São jovens entregues a energia de uma vida apática, batendo as portas do paraíso, devorando o que podem em troca de uma passividade momentânea, fictícia. 

Sem julgamentos pelas ações dos protagonistas, não há lições de moral pelas conseqüências dos feitos, até se trabalha com uma desresponsabilização das drogas em relação aos seus efeitos, o que não quer dizer que as inocenta. A idéia parte da racionalização de seus usuários como defesa. Tal escolha é benéfica para a narrativa, consciente de sua força e de suas intenções: tratar o humano ali, naquele contexto e os resultados de determinadas escolhas para a vida. Os reflexos disso modelam a forma do longa, cuja cronologia nada linear as vezes atrapalha pelo excesso de informações, no entanto não tiram o mérito de suas conclusões. 

Se o tratamento dado a história submerge, a parte técnica impressiona. As tomadas nas raves e o delírio psicodélico são captados com elegância e precisão por Prado, evidenciado pela brilhante fotografia de Lula Carvalho. Destaca-se nesse sentido a paranóia de Erika num determinado instante refletindo um pesadelo inconsciente. A exaltação desse universo é entusiasmada e empolgante, soma-se a ela a beleza natural do nordeste brasileiro com as deslumbrantes ruas de Amsterdam. As atuações são correspondentes, especialmente de Nathalia Dill entregue num papel ousado, atuado com coragem e determinação intimista nesta que é sua estréia nas telonas.

“Paraísos Artificiais” soa poético, bonito, com adornos para concluir sua desordem. Nesse âmbito, estão relações familiares e discussões entre irmãos, Nando e o caçula Lipe (César Cardadeiro), o que encaminha resoluções. Algumas coisas ficam no ar, aguardando a digestão do público. Outras é melhor ignorar. Fiel a retratação vigente dos jovens da atualidade, o longa traz uma tribo utópica distanciando-se do materialismo numa festa desregrada. Esta obra de Marcos Prado tem o valor de um “Trainspotting” sem personas tão icônicas, a não ser pela presença de Mark (Roney Villela) com frases prontas de efeito. 


domingo, 6 de maio de 2012

Proseando sobre... Sentidos do Amor

Sentidos. Conseqüências de suas perdas, necessidade do outro como conforto, reaproximações, uniões, privações, novas adaptações. Em Sentidos do Amor (Perfect Sense, 2011), um tema bastante inusitado e criativo é proposto. Uma pandemia pouco a pouco tira os sentidos dos seres humanos. Seguiremos uma luta contra o tempo para a resolução desse caótico acontecimento levantando questões sem dispensar hipóteses. Seria o juízo final? Punição divina? Alguma experiência biológica que não deu certo? Sem respostas, fica a busca por soluções nesse infortúnio mundial, enquanto as pessoas não desaparecem completamente. 

Aparentemente sugerido como um típico filme catástrofe, a história narrada acompanha, mais do que qualquer outra coisa, o dia a dia de um casal, o chef Michael (Ewan McGregor) e a epidemiologista Susan (Eva Green) buscando sobreviver à pandemia. Eles se conheceram casualmente, quando o homem pediu um cigarro à moça que fumava na janela. O ato serve como metáfora à história de Rapunzel que, ao atirar as tranças, é simbolicamente libertada. No caso, Susan traz um histórico de solidão predominante e relacionamentos infelizes, revelados em nuances e conversas nos diálogos intimistas com a irmã.

Um romance inicia entre a dupla, com Michael lutando para manter o restaurante que vem perdendo clientes após a dissipação do olfato. Os artifícios trabalhados pelo roteiro são interessantíssimos, como a busca por outro sentido favorecendo o contínuo consumo dos alimentos naquele lugar. De outro lado, as pesquisas de Susan não dão certo, ela se percebe impotente junto ao mundo, incapaz de lidar com a doença, assistindo o caos tomar conta e promover um retorno ao primitivismo humano. Não parece haver nada nos céus e tampouco na ciência que possa mudar tudo, restando apenas humanos sozinhos e frágeis se virando como podem, tendo somente um ao outro para se apoiar. Uma cena em particular é bem arquitetada, a qual os rostos de Green e McGregor fundem-se constituindo um só. 

David Mackenzie cria um universo abrangendo empecilhos das sensações, ou melhor, da falta delas, sugerindo a todo instante sua importância e o que nos resta sem elas. Esperta, também, é a maneira em que procura esboçar o antes do surto em que um dos sentidos se vai. Fica uma graça romantizada em meio a uma tragédia assolante, cujo recurso é a companhia, desprendendo de toda a construção humana para se apegar ao contato com o outro, o que, ao seu modo, é posto como algo que realmente importa. Narrações em off feitas pela talentosa e bela Eva Green salientam em momentos iluminados – fortalecidos pela boa fotografia – um mundo de idealizações, de pequenas coisas que forma um todo belo e contemplativo. Aquele casal ali, sorrindo: ninguém imaginaria pelo que estariam passando.

São concepções que quase beiram a pieguice, mas as construções não caem no lugar comum, com lapsos de expressões filosóficas balanceando o morno roteiro. Há muito o que se refletir dali, das relações, das ações. Dispensando pragmatismos e maniqueísmos, os poucos recursos fílmicos são bem utilizados dentro de suas limitações a favor de contar uma boa história sobre o amor em comunhão. Não passa disso, não é tão ousado, é direto no que propõe sem maiores pretensões a não ser questionar o homem, o que já é uma proposta demasiada fecunda.